Mauro Ventura era colunista do Jornal do Brasil. Quando passou para O Globo como repórter especial, sentiu falta daquele contato mais pessoal com os leitores. Por isso, criou o blog DizVentura, para "amenizar orfandade da coluna."
"A gente faz reportagens interessantes," explica Mauro "mas os bastidores são ainda mais interessantes."
Recentemente, Mauro foi a São Paulo entrevistar Chico Buarque durante o lançamento do filme Benjamin. A matéria ficou ótima, mas melhor ainda foi o post onde Mauro conta como teve que se disfarçar de funcionário da produção para poder entrevistar o Chico.
Em outra ocasião, Mauro foi convidado para cobrir uma das sessões do cineminha do Lula, no Palácio do Planalto. Lá pelas tantas, bateu aquela vontade de ir ao banheiro e Mauro se pegou urinando lado a lado ao presidente, ali, sozinho no banheiro, sem seguranças nem nada. Mauro poderia ter... mijado no Presidente! Naturalmente, como inserir isso em um artigo para o Segundo Caderno de O Globo?
"Numa matéria, não cabe o bastidor. O repórter não é noticia, ele tem que se distanciar e deixar os entrevistados aparecerem. Ficaria até cabotino falar dos bastidores em uma reportagem. No blog, faz parte."
E como faz. Quem lê O Globo não está necessariamente querendo saber das peripécias do Mauro. Quer saber é das últimas notícias e talvez nem repare no nome dele em cima da matéria. Já os visitantes de seu blog são seu público cativo por definição: eles estão lá para ouvir o que ele tem a dizer.
Mas publicar esses bastidores não seria conflito de interesses? Afinal, se não foram apropriados para publicar no jornal, talvez não devam ser publicados em lugar algum.
Mauro negou categoricamente: "Publico coisas que não cabem no jornal. E claro que tenho bom senso de saber o que colocar."
O blog de Mauro não é segredo para ninguém. Ele assina com seu nome verdadeiro e faz menção às suas reportagens em O Globo. Apesar disso, ele acha que ninguém no jornal conhece o DizVentura: "Nunca tive nenhum retorno de nenhum chefe sobre o blog, nem sei se sabem."
E, para Mauro, sua grande liberdade é justamente esse relativo anonimato do blog.
Humor Sem Papas na Língua
Nelito Fernandes assina um dos blogs mais populares e engraçados do Brasil, o Eu Hein!. Mas nem sempre foi assim. Embora a autoria do blog não fosse segredo para amigos e colegas, Nelito só passou a assinar os posts quando aceitou uma colaboradora, para diferenciar as contribuições de um e de outro.
Não foi uma decisão fácil. O Eu Hein! é um site de humor ferino. Nelito, jornalista da Época, temeu por sua credibilidade: "E se eu zoasse de alguém e depois tivesse que entrevistá-lo?". Mas acabou decidindo assinar: "Afinal, é um site de humor, não de notícias."
Parece que não havia mesmo o que temer. "O Eu Hein! não tem papas na língua," diz Nelito, "mas foi abrigado por duas corporações, o que prova que não é inconveniente."
As corporações são o Terra, que abrigou o Eu Hein!, tornando Nelito o primeiro blogueiro brasileiro a ganhar dinheiro com o seu blog, e o jornal Extra, das organizações Globo, onde Nelito tem uma coluna semanal baseada no conteúdo do blog.
"Já fui processado duas vezes," confessa, "mas a Época nunca se opôs, ou se pronunciou em respeito, bem ou mal, ao Eu Hein!."
Blog com Pseudônimo
Para maior liberdade, alguns jornalistas preferem manter seus blogs com pseudônimos.
Quando a jornalista Martha Mendonça, colega de Nelito na Época, começou o blog Elas por Elas, ela decidiu usar um pseudônimo por estar tratando de um assunto muito delicado: histórias reais de relacionamentos. Martha queria falar de si mesma e de seus conhecidos, e teve medo que, se usasse seu nome verdadeiro, as histórias seriam facilmente reconhecíveis por seu círculo de amizades.
Com o tempo, entretanto, o segredo foi se esvaecendo. Quando Martha e sua colega de blog, Carla Rodrigues, da NoMínimo, lançaram "Mulheres no Ataque", o livro baseado no Elas por Elas, já assinaram com seus nomes verdadeiros.
Marta nunca sofreu qualquer tipo de pressão da direção da Época por causa de seu blog.
A Rigidez do Meio Jornalístico
Mês que vem, será lançado pela Civilização Brasileira o livro "Blog: Comunicação e Escrita Íntima na Internet", de Denise Schittine. No capítulo dedicado à relação entre jornalistas e seus blogs, Denise conclui que esses profissionais caem na rede justamente para fugir das obrigações da profissão, para poderem escrever poesias, romances e contos sem se verem cerceados pela rigidez do meio jornalístico.
Sem dúvida alguma, esse é o caso de Martha e Nelito. Já Gravatá e Mauro escrevem não para fugir de seu trabalho, mas para complementá-lo.
Por enquanto, a situação no Brasil ainda é bem relaxada. Mesmo os jornais que hospedam blogs, como O Globo e O Dia, não impuseram nenhuma diretiva ou controle aos profissionais envolvidos. Outros jornais parecem ignorar solenemente o fenômeno blog.
O Leitor, Esse Sem-Noção
Fundei e dirigi o Projeto SobreSites, um portal com guias sobre diversos assuntos, desde Hare Krishna até Harry Potter. Cada Guia nada mais é do que uma seleção comentada de links. Cada página do SobreSites segue um template rígido, com o logo do site sempre em destaque, as mesmas cores, tudo igual.
Ainda assim, nada era mais comum do que usuários nos escreverem reclamando de conteúdo que não estava no SobreSites. Na primeira vez, demorou para entendermos o problema. A pessoa tinha clicado em um dos nossos links recomendados e estava reclamando de um conteúdo visto em outro site. E nunca percebeu que o tal site sobre o qual estava reclamando não tinha nada, nada a ver com qualquer página do SobreSites.
Com leitores assim, como culpar um jornal por temer que leitores desavisados confundam os posts de um colunista em seu blog pessoal com a opinião oficial do jornal?
Eu estaria sendo cínico se dissesse que esse temor é infundado. Já senti esse problema na pele, tanto na época do SobreSites quanto na semana passada, na Tribuna.
Por isso, alguns jornais norte-americanos estão tomando a medida extrema de simplesmente proibir seus jornalistas de manterem blogs.
Nelito Fernandes ficou revoltado: "É um absurdo! Estão confundindo pessoa jurídica com pessoa física!"
O temor pode ser justificado mas não podemos esquecer que estamos, afinal, no ramo da informação. Se já podemos prever uma possível (para não dizer provável) confusão na cabeça do leitor, cabe a nós, tanto jornais como jornalistas, informar melhor o leitor e prevenir o problema.
"Nunca proibir", sentencia Nelito.
segunda-feira, 2 de junho de 2008
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